Para ajudar no “upgrade” do processo de reconstrução do Brasil, com base em valores democráticos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve anunciar nos próximos dias o retorno da Loteria Instantânea Exclusiva (Lotex), conhecida popularmente como “raspadinha”, a fim de reverter medidas de flexibilização adotadas pelo governo anterior. A ação governamental visa turbinar o financiamento de diversos programas sociais mantidos com os recursos obtidos pelas apostas.

A retomada da Lotex deve ser oficializada por Medida Provisória (MP), elaborada pela equipe econômica do Ministério da Fazenda. O retorno da operação faz parte do esforço fiscal do Executivo federal para aumentar a arrecadação de impostos, com estimativa de que isto chegue ao montante extra entre R$ 3 bilhões e R$ 5 bilhões por ano, aproximadamente. O texto da MP sinaliza que o governo pretende ainda incluir a taxação de apostas esportivas on-line, com potencial de aumento de recursos arrecadados para R$ 12 bilhões. Busca-se, assim, assumir compromisso com a trajetória de melhora das contas públicas.

Com a volta dessa loteria, a Caixa Econômica Federal passa de novo a responder pela operação, tal como ocorria antes da famigerada experiência de desestatização dos últimos anos e desde 1970, quando o banco público assumiu a responsabilidade por administrar e executar o serviço de loterias federais no Brasil, sob a supervisão do Ministério da Fazenda. Desde então, a Caixa detinha o monopólio das loterias no país, segmento que foi alvo de algumas tentativas de privatização, sem sucesso, a exemplo dos leilões entre 2016 e 2019. Como resultado disso, a Lotex não vem sendo explorada desde 2015, e o país vem deixando de arrecadar recursos importantes para o desenvolvimento social e econômico de suas diversas regiões.

A operação com loterias, segundo a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), sempre representou um ganho histórico para o Brasil e sua população, porque o dinheiro arrecadado era reinvestido pela instituição financeira pública nas áreas de seguridade social, esporte, cultura, segurança pública, educação e saúde, fomentando assim os investimentos públicos no país. “O retorno do segmento pode resultar em benefício de mais da metade das verbas destinadas a políticas públicas, além de fortalecer o próprio balanço financeiro da Caixa”, argumenta Sergio Takemoto, presidente da Fenae.

Para Takemoto, as loterias são um dos negócios mais rentáveis do banco público, com lucro sempre mais volumosos por ano. “Se for mesmo concretizado, o retorno da Lotex trará ganhos não apenas a curto prazo, inflando o resultado anual. A longo prazo, se ganham importantes receitas recorrentes, com foco na Caixa pública, social e cada vez mais fortalecida”, detalha.

Esse desempenho positivo, aliás, foi atestado por recentes estudos internos da Caixa, que revelaram ao governo Lula ser a raspadinha a segunda loteria que mais arrecadava no mundo. Apesar disso, o segmento estava descontinuado e isto acabou afetando a receita da União.

O presidente da Fenae afirma não existir a menor dúvida de que o papel social da Caixa, parceira estratégica do Estado na execução de políticas públicas, precisa ser reforçado face ao processo de reconstrução democrática do país. E complementa: “É essencial que o banco continue público. A lógica de uma empresa privada é completamente oposta de uma pública como a Caixa, que cuida de projetos que são fundamentais para o desenvolvimento nacional, como o Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família e programas sociais”. Ele lembra que a suspensão de sucessivos leilões para desestatizar as loterias se deram em decorrência da mobilização dos trabalhadores e entidades representativas. Um desses leilões suspensos ocorreu quatro dias depois da Fenae ajuizar ação civil pública para barrar o processo.

Ganho social

Para se ter uma ideia da importância de a Caixa administrar as loterias, com o registro da injeção de recursos em programas sociais, os números apontam que, entre 1991 e 2015, a Lotex foi explorada pela Caixa Econômica Federal, chegando a arrecadar R$ 191,54 milhões em 2014. De 2011 a 2016, as loterias arrecadaram R$ 60 bilhões, dos quais R$ 27 bilhões (45%) foram de repasses sociais. Em 2017, foram R$ 13,88 bilhões arrecadados e R$ 6,44 bilhões transferidos. Em 2020, foram destinados R$ 8 bilhões, o que corresponde a 47% dos R$ 17,1 arrecadados. Algo em torno de 40% dos lucros das loterias eram investidos em iniciativas sociais.

Até então, os recursos das Loterias Caixa eram destinados ao Programa de Financiamento Estudantil (Fies), Fundo Nacional de Cultura (FNC), Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), Fundo Nacional de Saúde (FNS), Comitê Olímpico Brasileiro, Comitê Paralímpico Brasileiro, clubes de futebol e Confederação Brasileira de Clubes, entre outras iniciativas sociais.

Medida adotada pelo governo anterior, os leilões de venda da Lotex são um capítulo à parte. O Executivo federal de então, depois de várias tentativas frustradas, mudou as regras várias vezes, barateou o preço e conseguiu passar a Lotex para o consórcio Estrela Instantânea, formado por grupos da Itália e dos Estados Unidos, o único propositor da compra, que pagou bem menos do que o valor originalmente estabelecido e em oito parcelas.

O desfecho, com a venda da Lotex, não foi o esperado pelos compradores. O consórcio que levou o negócio à época anunciou em 2020 que se retiraria do processo de concessão. Um dos motivos que levou a Estrela Instantânea a abandonar a empreitada foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir aos Estados e ao Distrito Federal dividirem com a União o gerenciamento da exploração das loterias. É que o consórcio desejava explorar, com exclusividade, a loteria instantânea.

Em período recente, quando o patrimônio público foi objeto de aguda destruição, uma forma encontrada de barrar a venda das loterias foi a mobilização dos trabalhadores e das entidades representativas em parceria com parlamentares, uma vez que a desestatização do segmento e de outras áreas da Caixa poderia comprometer ainda mais a lucratividade do banco público. Esse entendimento está baseado no fato de que a Caixa possui sistema, expertise, rede de distribuição e a credibilidade da população para operar loterias. Para a Fenae, o retorno do uso da Caixa para a operação do negócio é positivo, pois pode representar que parte dos ganhos com as loterias volte a ser direcionado para os programas sociais.

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