Duas candidaturas, duas visões entre si bem distantes de país. É o que se conclui da leitura dos planos de governo da coligação “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, encabeçada por Jair Bolsonaro, e “O Povo Feliz de Novo”, encabeçada por Fernando Haddad.

A coligação encabeçada por Bolsonaro define-se como “liberal democrata” e critica os “30 anos em que, segundo ela, a esquerda corrompeu a democracia e estagnou a economia” no país. A encabeçada por Haddad destaca a necessidade de “refundação democrática do Brasil”, defendendo um “projeto nacional de desenvolvimento”.

A edição 1.286 do jornal APCEF em Movimento, de 17 de outubro, faz referências a temas em debate no Brasil a partir dos planos de governo apresentados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a eleição à Presidência em 2018 e publicados em www.bolsonaro.com.br e www.obrasilfelizdenovo.com.

As frases entre aspas são transcrição literal e a abreviatura “pág.” indica a página em que o tema é tratado no respectivo plano de governo. Confira:

• Bancos Públicos

A coligação Haddad “defende o aprofundamento da competição bancária a ser estimulada pelos bancos públicos e pela difusão de novas instituições de poupança e crédito”. Haddad acrescenta que “torna-se fundamental revitalizar os bancos públicos, especialmente BNDES, BB e CEF” (pág. 41). Registra que os “bancos públicos deverão assumir papel importante no padrão de financiamento da reindustrialização” (pág. 42).

A coligação Bolsonaro não cita bancos públicos, exceto indiretamente quando menciona a subordinação de “instituições financeiras federais” ao novo Ministério da Economia (pág. 53). A referência nominal dá-se apenas ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que, segundo a coligação, deverá “retornar à centralidade em um processo de desestatização” (pág. 62).

• Previdência

A coligação Bolsonaro anuncia sistema com “contas individuais de capitalização”. Esse sistema substituirá paulatinamente o atual, de repartição, no qual as contribuições agora recolhidas são utilizadas para pagar os benefícios dos já assistidos (pág. 57). Não há menção a quem caberia a administração das contas. Aqueles que optarem pelo novo formato “merecerão o benefício da redução dos encargos trabalhistas” (pág. 57), medida voltada à parte patronal. A coligação Bolsonaro avalia que o novo modelo causará redução na receita à previdência e, assim, promete a criação de “um fundo para reforçar o financiamento da previdência e compensar a redução de contribuições no sistema antigo” (pág. 57).

A coligação Haddad propõe a manutenção do direito à previdência na forma definida no capítulo da Seguridade Social da Constituição, com benefícios garantidos por contribuições de empregados e empresas, porcentuais de lucro e de arrecadação de loterias, entre outras fontes. Fala da necessidade de equilíbrio do sistema, o que se alcançará pela “criação de empregos, formalização das atividades econômicas, ampliação da capacidade de arrecadação e combate à sonegação”. Anuncia, ainda, que o governo “buscará a convergência entre os regimes próprios da União, dos Estados, do DF e dos Municípios com o regime geral” (pág. 16).

• Economia

A coligação Haddad afirma que o “Banco Central reforçará o controle da inflação e assumirá também o compromisso com o emprego (mando dual)”. Anuncia, também, o combate ao elevado spread bancário (pág. 41).
A coligação Haddad informa que irá “suspender a política de privatização de empresas estratégicas para o desenvolvimento nacional e a venda de terras, água e recursos naturais” (pág. 37). O novo “padrão de desenvolvimento pressupõe o papel de coordenação do Estado no investimento e a construção de sinergias com o setor privado e o terceiro setor” (pág. 40). A coligação informa que recuperará “a experiência do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa de Investimento em Logística (PIL)” (pág. 40).
Na política externa, defende a integração da cadeia produtiva na América e a global por meio dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), além de políticas que levaram o Brasil a protagonista no G-20 (pág. 11).

A coligação Bolsonaro defende a manutenção do tripé atual, com câmbio flexível, meta de inflação e meta fiscal. Cria um superministério, o da Economia, com as funções atuais dos ministérios da Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio e Programas de Parcerias de Investimentos. Ao Ministro da Economia estarão subordinadas “instituições financeiras federais e o Banco Central”, que será independente (pág. 53).
Bolsonaro defende a privatização, processo que “terá por norte o aumento na competição entre empresas”. Afirma que “dificuldades políticas que poderiam surgir poderão ser contornadas com bem desenhadas ‘golden shares’ garantidoras da soberania nacional”. A “desmobilização de ativos públicos” será utilizada para a redução da dívida mobiliária federal (págs. 55 e 56).
Na política externa, é favorável à redução de “alíquotas de importação e de barreiras não tarifárias, em paralelo com a constituição de novos acordos bilaterais” (pág. 65).

• Pautas Identitárias

A coligação Bolsonaro não faz, diretamente, referências a políticas voltadas à questão de gênero, raça, cidadania LGTBI+, infância, juventude e idosos. Menciona em seu plano que “as pessoas devem ter liberdade de fazer suas escolhas e viver com o fruto dessas escolhas” (pág. 4).

A coligação Haddad anuncia o Plano Nacional de Redução de Mortalidade da Juventude Negra e Periférica (pág. 19), o “direito à vida, ao emprego e à cidadania LGBTI+” (pág. 20), a Política Nacional de Juventude, Promoção dos Direitos do Idosos e Plano Viver sem Limites, para inclusão de pessoas com deficiência (pág. 21). Anuncia, ainda, política para promover a igualdade racial e “retomar a centralidade de política para mulheres” (pág. 19).

• Saúde

A coligação Haddad pretende elevar o investimento em saúde a 6% do Produto Interno Bruto brasileiro e “regulará de forma mais transparente os planos privados de saúde” (pág. 28). Anuncia que serão revertidas medidas do governo Temer que “atacam o direito à saúde”. Fortalecerá a regionalização dos serviços de saúde, inclusive de recursos financeiros, “aumentando a eficiência tecnológica” (pág. 28). Propõe a “criação das clínicas de especialidades médicas” (pág. 29), que garantirão acesso ao atendimento de “equipes multiprofissionais”. Fará o “prontuário eletrônico”, de forma universal (pág. 29).

A coligação Bolsonaro promete a “informatização de postos, ambulatórios e hospitais” (pág. 39), além do credenciamento universal de médicos, com todo médico brasileiro podendo “atender a qualquer plano de saúde” (pág. 39). Propõe a criação do “Médico de Estado” e de agentes comunitários que atuarão na prevenção. Defende a contratação direta de médicos cubanos por meio do programa Mais Médicos, mas sem a interferência de governo (pág. 40).

• Segurança

A coligação Bolsonaro defende a recuperação das “condições operacionais das Forças Armadas”. Há necessidade de “equipamentos modernos, não somente veículos e armas”. Para a coligação, haverá “participação das instituições militares no cenário de combate a todos os tipos de violência”.
A coligação Bolsonaro lista oito medidas (pág. 32), entre as quais “reformular o estatuto do desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa”, “reduzir a maioridade penal para 16 anos” e “tipificar como terrorismo a invasão de propriedades rurais e urbanas”. Defende “garantia do Estado ao excludente de ilicitude a policiais” (pág. 32).

A coligação Haddad “retomará os investimentos e valorizará as Forças Armadas”, mas não sua transformação em “forças da segurança pública” (pág. 12). Defende programa de “redução expressiva de mortes violentas” e “vai priorizar o Plano Nacional de Redução de Homicídios” (pág. 30), incluindo a atenção a crianças, jovens, negros, mulheres e população LGBTI+” (pág. 31). Incentivará a “segurança pública cidadã”, com programas de segurança “e ações específicas com as políticas sociais, ofertadas de forma integrada pela União, estados, DF e municípios” (pág. 30). Quer a “valorização do profissional de segurança e o fortalecimento da polícia científica” (pág. 31). Irá aprimorar “a política de controle de armas e munições”.

• Reforma Tributária

A coligação Haddad promoverá reforma tributária que “será orientada pelos princípios da progressividade” e compreenderá, “entre outras medidas, a tributação direta sobre os lucros, dividendos e a criação e implementação gradual do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que substitua a atual estrutura de impostos indiretos” (pág. 41). Em relação ao imposto sobre a renda da pessoa física, afirma que vai “isentar quem ganha até cinco salários mínimos (R$ 4.770), condicionando a aumento da alíquota para os super-ricos” (pág. 41).

A coligação Bolsonaro diz que promoverá a “gradativa redução da carga tributária bruta brasileira paralelamente ao espaço criado por controle de gastos e programas de desburocratização e privatização”, além da “simplificação de tributos e redução da tributação sobre os salários para o regime de capitalização de previdência” (pág. 57). Pretende a introdução de “mecanismos capazes de criar um sistema de imposto de renda negativo na direção de uma renda mínima universal” (pág. 57).

• Pré-Sal e Petrobras

A coligação Bolsonaro avalia que “depois da descoberta de pré-sal, a regulação do petróleo foi orientada pelo estatismo”. Irá remover “a burocrática exigência de conteúdo local”, pois avalia que a exigência “reduz a produtividade e eficiência” (pág. 72). Os “preços praticados pela Petrobras deverão seguir os mercados internacionais” (pág. 73). A coligação defende que a Petrobras venda “parcela substancial de sua capacidade de refino, varejo, transporte e outras atividades onde tenha poder de mercado” e o fim do “monopólio” do gás natural.

A coligação Haddad anuncia que tomará “iniciativas imediatas para recuperar as riquezas do pré-sal, o sistema de partilha e a capacidade de investimento da Petrobras” (pág. 5 e pág. 42). Reforça, também, a política de conteúdo local (pág. 42). Menciona que irá “recuperar o Pré-Sal” (pág. 37) e Fundo Social do Pré-Sal destinado à educação e saúde. Defende para a Petrobras “papel de agente estratégico do desenvolvimento brasileiro” (pág. 49). A política de preços da Petrobras “será reorientada”, dado custo inferior do petróleo retirado e refinado no Brasil, para “garantir um preço estável e acessível para combustíveis” (pág. 49).

• Ambiente, agricultura e terra

A coligação Bolsonaro faz menção, sem detalhamento de propostas, à constituição centralizada de estrutura federal “para cuidar de recursos naturais e meio ambiente rural, defesa agropecuária e segurança alimentar, política e economia agrícola” (pág. 68).

A coligação Haddad faz abordagem detalhada. Anuncia a “regulação do agronegócio para mitigar danos ambientais” e o estímulo à “exportação de produtos de maior valor agregado” (pág. 56). Destaca, ainda, o debate de “reforma agrária no centro da agenda pública nacional” e a regularização fundiária. (pág. 56). Menciona a “valorização da Amazônia” (pg58), criação do Programa de Transição Ecológica, inclusão econômica da pesca artesanal e fortalecimento da agricultura familiar (pág. 56).

• Educação

A coligação Haddad defende a formação de educadores e as metas do Plano Nacional de Educação, dentre elas, a destinação de recursos equivalentes à 10% do Produto Interno Bruto à educação. Para a Educação infantil, trabalha a “perspectiva de educação em tempo integral”. Defende a inclusão digital e educação de 4 anos a 17 anos (págs. 24, 25 e 26). Compromete-se em restabelecer o investimento em ensino superior, com “Institutos Federais fortalecidos, interiorizados e expandidos com qualidade e financiamento permanente” (págs. 26 e 27).

A coligação Bolsonaro critica o que chama de “doutrinação e sexualização precoce” (pág. 41). Defende a prioridade à “educação básica e ensino médio/técnico” (pág. 45). O papel das universidades será o de formar jovens para o empreendedorismo. Propõe educação à distância, “importante instrumento e não vetada de forma dogmática”, alternativa em “áreas rurais onde as grandes distâncias dificultam aulas presenciais” (págs. 45 e 46).

• Trabalho e Emprego

A coligação Haddad avalia que houve a precarização das relações trabalhistas, desequilíbrio em favor do capital com a terceirização irrestrita, reforma trabalhista e contratos precários (pág. 39). Entende necessário “amplo debate com a sociedade” para a “elaboração de um novo estatuto do trabalho” (pág. 40).
A Coligação Haddad anuncia combate ao trabalho infantil e trabalho escravo e a geração de emprego por meio do crescimento, destacando o investimento em infraestrutura. Manterá a política de valorização do salário-mínimo – reposição pela inflação e variação positiva do PIB. Promoverá “debate sobre as condições necessárias para a redução de jornada de trabalho” (pág. 40) e o “Programa Meu Emprego Novo” com a retomada de investimentos da Petrobras, programa Minha Casa Minha Vida, atividades na economia social e solidária (págs. 20 e 37).

A coligação Bolsonaro criará “uma nova carteira de trabalho verde e amarela, voluntária, para novos trabalhadores”. Com a nova forma, quem ingressar no mercado de trabalho poderia escolher entre a “carteira de trabalho tradicional (azul) – mantendo o ordenamento jurídico atual” e a verde amarela, “onde o contrato individual prevalece sobre a CLT, mantendo direitos constitucionais” (pág. 63).
A coligação Bolsonaro trata a geração de emprego conceitualmente, como consequência do “liberalismo econômico” (pág. 12). Relaciona emprego a investimento. Destaca a “baixa eficiência brasileira em infraestrutura” – ferrovias, rodovias, aeroportos, etc. Na busca por investimentos, pretende adotar medidas para “desburocratizar, simplificar, privatizar, pensar de forma estratégica e integrada” a infraestrutura, pois “havendo baixo risco regulatório, o Brasil poderá atrair uma grande quantidade de investimentos, gerando empregos” (pág. 70).

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