A ilusão de parte da elite e de outros setores da sociedade brasileira de que a alternativa privatista e neoliberal, representada pelo governo de extrema-direita de Bolsonaro, é algo viável levará o Brasil e a sua população a outra década perdida. Na prática, a disjuntiva do debate é determinada pelo conceito que as pessoas têm do que é público, com base no modelo de Estado e no papel desempenhado pelas empresas públicas para definir os rumos do desenvolvimento do país.

Essa é uma das conclusões de Maria Rita Serrano, conselheira de Administração da Caixa Econômica Federal eleita pelos empregados e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, em artigo recente sobre a necessidade de fortalecer políticas públicas para superação da crise, agravada pela pandemia da Covid-19 no cenário mundial. Na busca para desmistificar o debate sobre privatizações, uma das ideias propostas é a de recuperar o planejamento estatal e o crescimento econômico, a partir de uma política mais centralizada no Estado e menos no mercado, com decisões orientadas pelo interesse coletivo e não apenas por critérios econômico-financeiros. Assim, como explica a conselheira, será possível gerir empresas estatais de forma eficiente, sempre na perspectiva do interesse público.  

O texto de Rita Serrano, que também é conselheira da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), denominado “Estado pós-pandemia e as empresas públicas”, faz parte das duas publicações que serão lançadas nesta sexta-feira (11) pelo Comitê em Defesa das Empresas Públicas com versões em português e espanhol, desfazendo os mitos que rodeiam a luta em favor das estatais e dos bancos públicos, e esclarecendo fakes e fatos a respeito do patrimônio público. A partir das 16h, seguido de debate, o ato será transmitido ao vivo pelo Facebook da Fenae, do Comitê e da própria conselheira do CA da Caixa.

No documento “Estado pós-pandemia e as empresas públicas”, e face ao forte debate ideológico que as estatais estão sendo alvos no Brasil, Rita Serrano propõe um exame cuidadoso sobre as dimensões mais fundamentais das empresas públicas, com ênfase para o papel desempenhado no desenvolvimento do Estado brasileiro. São mostrados resultados financeiros e de investimentos, assim como a influência exercida pelas estatais na economia nacional e regional. Também, na mesma proporção, é apresentado um retrato a respeito da relevância das empresas públicas pelo mundo.

De antemão, a representante dos empregados no CA da Caixa acredita ser determinante o papel do Estado nesse cenário de crise em escala mundial, sobretudo na administração de políticas nacionais eficazes e na supervisão dos mercados financeiros. Para tanto, segundo ela, a atuação dos bancos públicos é fundamental. No enfrentamento das atuais dificuldades conjunturais, no Brasil e em outros países, o documento aponta para um mundo em que o Estado voltaria a ser protagonista e os governos, mais propensos ao social.

No artigo, depois de fazer um paralelo sobre a situação do Brasil com a de países como Estados Unidos, Alemanha e China, Rita Serrano relata que, de 2000 até 2019, ao menos 1.408 serviços foram reestatizados ou estatizados no mundo, conforme dados colhidos da pesquisa “El Futuro es Público” de 2020, da Transnational Institute (TNI), centro de estudos em democracia e sustentabilidade na Holanda. É dito ainda que as reestatizações e a criação de novas estatais aconteceram com destaque em países centrais do capitalismo, como EUA e Alemanha, muito em função das empresas privadas priorizarem os lucros e os serviços estarem caros e ruins.

Segundo Rita Serrano, a história das empresas públicas no Brasil começa em 1663, ainda no Brasil Colônia, com a fundação da empresa de Correios do Brasil e, depois em 1694, com a criação da Casa da Moeda do Brasil (CMB). No Império, por exemplo, surgiram dois bancos: o Banco do Brasil, em 1808, e a Caixa Econômica Federal, em 1861. Anos depois, já sob os governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, apareceram a Petrobras (1953), Eletrobras (1961), Siderúrgica CSN (1941), BNDE (1952) e o IRB – Resseguro (1939), “criando assim um ecossistema cuja missão era viabilizar o processo de produção econômica nacional”.  

No texto da representante do CA, os bancos públicos são apontados como importantes instrumentos de estabilização do mercado, a exemplo do que ocorreu na crise bancária de 1995, na crise financeira global de 2008/2009 e na atual devido à pandemia do coronavírus. Segundo as informações divulgadas, instituições como Caixa, BB, BNDES, Eletrobras e Petrobras, que representam mais de 96% dos ativos totais e mais de 93% do patrimônio líquido das estatais federais, fecharam 2019 com R$ 107,86 bilhões de rentabilidade, valor que representa um aumento de 56% em relação a 2018.

Rita Serrano vai além e explica por que, em 2020, o grande destaque foi a atuação da Caixa, principal operadora e financiadora de políticas públicas e sociais do país. De acordo com a conselheira, para executar a tarefa de pagar o auxílio emergencial, “o banco se superou, quebrou o paradigma do atraso tecnológico, criou aplicativos e realizou a abertura de milhões de contas, em prazo excepcionalmente rápido, muito em decorrência da qualidade técnica dos seus empregados”. É dada a informação de que oito em cada 10 adultos passaram pelo banco para receber benefícios sociais, “o que prova a relevância da Caixa como banco público, o papel essencial e o compromisso de seus empregados em prol da população mais vulnerável do país”.

Ainda no artigo “Estado pós-pandemia e as empresas públicas”, Rita Serrano denuncia que, ao pretender desfazer-se do controle público de setores estratégicos, o Brasil atua em descompasso com o processo de reestatização pelo qual passam os países mais desenvolvidos, de acordo com estudos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). No caso da Caixa, a conselheira alerta que a intenção do governo Bolsonaro é fatiar e privatizar a empresa por segmentos, até que deixe de ser um banco público rentável, competitivo e a serviço dos cidadãos brasileiros. Exemplo disso, segundo ela, é a MP 995/2020, que perdeu a validade em 3 de dezembro de 2020 sem ter sido analisada pelo Congresso Nacional. Essa MP, aliás, foi editada para vender o banco aos pedaços e de forma disfarçada.

Rita Serrano conclui o artigo afirmando que, com base na análise das experiências de países desenvolvidos, é possível mostrar a viabilidade de diferentes tipos de gestão no setor público, com controle social e que possibilitam reduzir acentuadamente problemas relacionados à corrupção e à apropriação indevida por interesses privados. Para ela, todos esses indicadores e reflexões apontam para o fato de que, “por trás da narrativa das privatizações, está a submissão do país às multinacionais e aos governos centrais dos países desenvolvidos, estando em jogo a perda da soberania nacional, o que exige uma tomada de atitude da sociedade organizada”.

A conselheira contesta, por fim, as falácias governamentais sobre o tamanho do Estado brasileiro. E faz, para tanto, uma indagação direta e certeira: “Queremos um Brasil em que todos possam ter o mínimo necessário para viver, em que os recursos naturais sejam preservados para as futuras gerações, em que as pessoas possam ser livres e felizes com igualdade de oportunidades, ou um Brasil no qual apenas um pequeno grupo de privilegiados tenha esse direito?”.

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