Publicado pela Folha de S. Paulo, em 31 de agosto
Wagner Araújo, que sofreu assédio e está afastado, em SP
Cinco caixas de antidepressivos por mês e uma tentativa de suicídio. Essa é a realidade do supervisor Wagner Araújo, 33, há dois anos, depois de sofrer ataque nervoso no banco em que trabalha. Desde 2009, ele está afastado pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Além da pressão por metas, Araújo conta que era chamado de Gardenal (remédio psiquiátrico) por colegas. "Os chefes gritavam comigo, e eu perdia o controle emocional."
Na capital paulista e em Osasco, 42% dos bancários dizem ter sido vítimas de assédio moral, indica pesquisa do sindicato da categoria com 818 profissionais, obtida com exclusividade pela Folha.
Em nível nacional, o problema atinge 66% dos bancários, segundo consulta a 27.644 trabalhadores feita em 2011 pela Contraf (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro).
"As principais queixas são cobrança abusiva, humilhação e falta de reconhecimento", lista Juvandia Moreira, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo.
MEDIDAS
A entidade fechou parceria com bancos no início do ano para criar canal de denúncias de assédio moral. Segundo Magnus Apostólico, diretor da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), as queixas recebidas serão utilizadas para "melhorar as relações de trabalho".
No TRT-SP (Tribunal Regional do Trabalho), o total de ações por assédio caiu 3,6% no primeiro semestre de 2011, em relação ao mesmo período de 2010. Uma razão é a capacitação de gestores. Até junho, 22.739 processos tramitavam em primeira instância.
• Agressão no trabalho tem novos formatos
Chegada da geração Y leva ao mercado diferentes formas de assédio, que incluem brincadeiras ofensivas e boicote
Receber medalhas na festa de confraternização da empresa é, na maioria das vezes, motivo de orgulho. Para Vivian Nascimento, 27, o prêmio significou o contrário.
Nova em uma multinacional do setor de informática, a analista de suporte foi classificada pelos colegas como uma das piores funcionárias do departamento. Tudo com o aval dos chefes diretos.
Na festa de fim de ano de 2008 -na qual não foi porque estava de plantão-, recorda ela, foi organizada cerimônia com entrega de faixas e medalhas aos primeiros colocados em cada categoria.
"Fui nomeada uma das funcionárias mais desesperadas, perdidas e sem noção da equipe", conta ela. Nascimento foi demitida dois anos depois da "premiação", em um corte de funcionários, e entrou com processo contra a empresa por assédio moral.
Com a chegada da geração Y (nascidos entre 1978 e 2000) nas empresas e a maior competitividade entre companhias, casos como o de Nascimento são cada vez mais comuns, apontam especialistas.
CONTRA O TEMPO
"Os jovens são intolerantes em relação a problemas no trabalho", argumenta Roberto Heloani, professor de psicologia do trabalho da Fundação Getulio Vargas. "Além disso, são cada vez mais cobrados por resultados."
A luta contra o tempo, afirma o professor, é um dos fatores responsáveis pelo assédio moral do chefe com seus funcionários. "Como muitos [desses gestores] são jovens, o assédio vem de formas diferentes, como brincadeiras ofensivas e boicote de trabalho [o empregado é excluído de projetos, por exemplo]."
Ser humilhado pelo chefe, no entanto, não é situação exclusiva no escopo do assédio moral no trabalho, destaca o advogado trabalhista Alexandre Lindoso. "Hoje os próprios colegas são responsáveis pela humilhação."
O motivo, explica, é o aquecimento do mercado, que aumenta a empregabilidade, mas incentiva o "espírito competitivo dos profissionais".
Casos de assédio moral horizontal -quando o agressor não é chefe da vítima- já são reconhecidos pela Justiça. "Se o problema ocorreu embaixo do guarda-chuva da empresa, ela é a responsável", esclarece Lindoso.
DOSE DUPLA
Terezinha Rodrigues, 53, foi alvo dos dois tipos de assédio moral: foi humilhada por superiores e colegas.
Contratada para atuar como auxiliar de codificação em um órgão público -como comissionada-, foi obrigada a trabalhar com malote e como auxiliar de portaria. "Os funcionários falavam que iam me dar um par de patins para eu trabalhar mais rápido", diz.
Em 2010, após 30 anos na empresa, foi demitida e entrou com processo na Justiça.
• Ambiente ruim favorece abusos
Cultura que não prioriza respeito entre funcionários é causa de assédio moral em empresas
Problemas no ambiente organizacional são os principais motivadores de casos de assédio moral nas empresas, segundo especialistas consultados pela Folha.
Cultura interna que não prioriza o respeito na equipe dá espaço a conflitos -isolados ou coletivos- entre funcionários, explica Margarida Barreto, coordenadora da Rede Nacional de Combate ao Assédio Moral no Trabalho (www.assediomoral.org).
Segundo a especialista, a maioria das empresas omite casos de humilhação e é cúmplice do problema. "Se o profissional tem deveres a cumprir com a companhia, ela [empresa] também tem de ter com ele", destaca Barreto, que é médica do trabalho.
Em fevereiro deste ano, a rede supermercadista Walmart foi obrigada a pagar indenização de R$ 140 mil para um ex-gestor que diz ter sido obrigado a rebolar e cantar nas reuniões diárias em um escritório no Brasil.
Em nota, a empresa diz que "o grito de guerra da companhia tem como objetivo descontrair o ambiente de trabalho antes de reuniões e integrar as equipes" e que a participação não era obrigatória.
Ser humilhado em frente a colegas levou o auxiliar de telecomunicações Cláudio Lima, 26, a entrar com ação na Justiça contra a empresa de informática onde atuava.
Lima diz ter sido ofendido várias vezes por gestores. A constante "exposição ao ridículo", conta, fez com que ele tivesse crise de ansiedade.
"Não conseguia me defender e sentia que ninguém podia fazer nada", diz ele, que foi demitido meses depois de voltar de licença médica.
Para Luciana Santucci, advogada especialista em assédio moral pela Universidade Samford, nos EUA, com a maior reclamação dos trabalhadores, "as empresas vão prestar atenção ao ambiente organizacional da mesma forma que ao faturamento".
Emerson Casali, gerente de relações do trabalho da CNI (Confederação Nacional da Indústria), ressalva que o assédio moral "não pode ser confundido com mágoa e dissabor" do funcionário.
• Como provar o assédio moral
E-MAILS
Guarde todas as mensagens trocadas com o assediador
GRAVAÇÕES
Grave humilhações e insultos em arquivos de áudio
TESTES MÉDICOS
Organize laudos de exames feitos durante o período para comprovar prejuízo à saúde
• Assediadores culpam pressão pelas atitudes
Cobrança por resultados também acomete líderes. Muitos passam os problemas aos funcionários na forma de assédio.
J.S., que pediu para não ser identificada, afirma já ter assediado moralmente os funcionários do restaurante que gerencia. O motivo, alega, é a cobrança por maior faturamento.
"Fico injuriada quando vejo algo errado", destaca ela, que afirma tentar controlar-se no trabalho.
Pesquisa da Isma-Br (International Stress Management Association) mostra que 50% dos assediadores já foram alvos de assédio.
• Em áreas aquecidas, trabalhador migra para empresa concorrente
Na contramão dos altos índices de assédio moral, há setores em que esse problema é menos frequente, como o de engenharia e o de tecnologia da informação.
O motivo, segundo os sindicatos das categorias, é a disputa do mercado por mão de obra qualificada. "Se um profissional não está satisfeito com a empresa, pode ir para a concorrente", exemplifica Murilo Pinheiro, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo.
Segundo ele, faz dois anos que a entidade não recebe reclamações por assédio moral. "O engenheiro raramente passa indiferente por uma situação dessa porque sabe que tem o amparo do mercado", explica Pinheiro.
No setor de tecnologia da informação, a situação é semelhante no caso de profissionais com alta qualificação, como cientistas da computação e analistas de sistemas.
"Profissionais de suporte e técnicos ainda são alvo da forte cobrança por resultados", pondera Antônio Neto, presidente do Sindpd (Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do Estado de São Paulo).
O engenheiro de software Rafael Roquetto, 25, diz já ter tido problemas "sérios" com um empregador. Entre discordâncias por e-mail e no escritório, pediu demissão e foi para a empresa concorrente.
"Quero trabalhar em um lugar onde me sinta bem", argumenta ele, que atualmente atua em uma companhia de tecnologia na Suécia.