Quem conhece Xico Sá por seus livros, crônicas e artigos publicados mundo afora já está ciente da sua capacidade de narrar um fato e do seu pleno domínio com as palavras. E quem o conhece das participações em programas televisivos sabe bem do seu talento para contar causos sempre temperados com muita espontaneidade e bom humor. Pois, foi neste clima de total descontração que ele conversou com o público no encerramento das atividades do primeiro dia do Inspira Fenae 2022 no Deville Convention, em Salvador.
O escritor abriu sua fala lembrando que após este longo período de pandemia que todos enfrentaram nos últimos anos, as coisas estão enfim melhorando que chegou a hora de “botar a cara no mundo. Não aguentava mais fazer live atrás de live. A única vantagem que tive nesse período é que só precisei comprar camisa, pois quase não saí de casa”, brincou Xico, arrancando risos do público.
Convidado para falar sobre sociedade e cidadania, Xico alertou que diante de um cenário marcado por tantos retrocessos, “é preciso fazer cidadania para além das redes sociais e da internet. É hora de colocar Paulo Freire na jogada e ter esperança”. Para falar do seu primeiro contato com uma ideia de cidadania, ele relatou que só passou a ter certidão de nascimento aos oito anos, quando foi estudar numa cidade mais próxima de onde nasceu. “É nessa invisibilidade que a nossa gente vive no meio do Semiárido com a ausência total do estado e sem qualquer contato com o poder público”, explica o escritor.
No entanto, ele teve a sorte de ver a cidadania entrar na sua vida “pela melhor das portas e ideias”, através de um professor chamado Geraldo Rodrigues, mais conhecido como “Geraldo Bilé”. Xico relata que o professor “mostrava um trecho de Graciliano Ramos e não dizia nada. Pegava a ficção e era uma aula de cidadania a cada trecho. Da forma mais sábia do mundo, contava as histórias locais e nos trazia referências incríveis, mas sem mencionar a palavra cidadania. Depois veio dizer o porquê de todas aquelas leituras”, comenta ele.
Para aproveitar o gancho desta edição do Inspira acontecer na Bahia, Xico evocou a figura do geógrafo, cientista e pensador baiano Milton Santos (1926-2001) e a sua ideia do significado de cidadania. “Se ele fosse convidado para falar deste tema aqui neste evento da Fenae, ele iria perguntar: mas que cidadania? Ele se foi, mas nos deixou essa grande pergunta que precisamos fazer todos os dias”. Para ele, essa pergunta feita pelo Milton Santos deve ecoar nos nossos ouvidos como um zumbido para sempre.
Ao relacionar o conceito de cidadania com a função social de um banco público, Xico destacou a atuação da Caixa no pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia e foi além: “vocês têm esse brilho nos olhos da cidadania. Quando vocês sentem o brilho nos olhos de alguém beneficiado por um programa social, do cara que vive à margem da sociedade, para se para segurar numa estiagem ou para atravessar uma pandemia, vocês entendem isso. Vocês conseguem sentir esse relâmpago, essa ideia verdadeira do que é cidadania”, encerrou sua reflexão, sob os aplausos do público presente.
Não Toque em Meu Companheiro
Ao fim do seu discurso, Sá ainda lembrou que como repórter, durante o governo Collor, acompanhou um movimento que a Caixa fez de grandes demissões. O episódio lembrado pelo palestrante foi inclusive retratado no filme “Não Toque em Meu Companheiro. O documentário da cineasta Maria Augusta Ramos foi produzido pela No Foco Filmes e coproduzido pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae).
“Foi um perigo o que a Caixa passou. E não é diferente de agora. Hoje vemos a mesma conversinha de vamos enxugar, vamos retirar os programas sociais etc”, relembra ele, revelando que ter vivido isso o fez construir uma ligação forte e afetiva com os movimentos sindicais dos bancários. “Querem rifar tudo. Esse presidente da Caixa abre um sorriso quando fazem a simples menção de privatizar a Caixa. Aguardem cenas dos próximos capítulos”, concluiu Xico, em tom de alerta.