Os impactos da pandemia do coronavírus no mercado de trabalho foram intensos. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PnadC/IBGE), a pandemia aprofundou o quadro de desestruturação do mercado de trabalho que já era grave. De acordo com a pesquisa, no trimestre encerrado em julho de 2021, o rendimento médio real dos trabalhadores estava 8,8% abaixo do registrado no mesmo trimestre de 2020.
Para o economista e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, Marcelo Manzano, os dados impactam muito negativamente a vida das famílias mais vulneráveis. “Na ausência de empregos e de políticas sociais protetivas, estas famílias acabam sendo empurradas para a miséria. Temos hoje, 41 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da extrema pobreza, cerca de 8 milhões a mais do que era registrado antes da pandemia.
Segundo Manzano, a crise do emprego no Brasil se mostrou ainda mais dramática do que em outros países, visto que a pandemia já pegou o país em uma grave crise do mercado de trabalho. “Vínhamos desde 2015 com a taxa de desocupação acima de dois dígitos e com a informalidade e a precariedade avançando. Mesmo que a economia sinalize um retorno à normalidade e se percebe uma melhora parcial do nível de ocupação, não será suficiente para absorver o enorme contingente de pessoas que seguem desocupadas ou que estão na condição de subocupação”, argumentou.
A economista e professora de economia da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO), Ana Luíza Matos de Oliveira concorda com a análise de Manzano e alerta que para o país conseguir estabelecer a economia vai demorar muito, pois o impacto que tivemos durante a crise foi muito mais sentido pelos grupos mais vulneráveis. “Com o aumento do desemprego, pobreza, fome e inflação, será um grande desafio ter uma retomada sustentável para todos”, disse Ana Luíza.
Para agravar ainda mais esse quadro, os economistas ressaltam que a pandemia se instalou sobre um mercado de trabalho fortemente desregulado, em grande medida em decorrência da reforma trabalhista do Michel Temer, de novembro de 2017. E isso significa não apenas que os postos de trabalho que estão sendo criados oferecem pouca garantia de renda às famílias da classe trabalhadora, como também, haverá reduzida disposição dos empregadores para cumprir com o mínimo legal exigido pelo que restou da CLT. “Mesmo que ocorra um crescimento das ocupações, o grave quadro social que temos hoje deverá se manter por um longo tempo e só será realmente possível pensar em uma superação mais consistente quando adotarmos uma outra perspectiva de desenvolvimento econômico, diferente da abordagem neoliberal que desde 2015 comanda o país”, afirmou Manzano.
Efeitos desastrosos
Os dados da PnadC/IBGE, que comparam o 1º trimestre de 2021 com o 1º de 2020, antes do início da pandemia, indicam que o mercado de trabalho ainda está longe de dar sinais de recuperação. De acordo com os dados houve queda de 6,6 milhões no contingente de ocupados; aumento do total de desempregados de 12,9 milhões para 14,8 milhões.
O número de pessoas fora da força de trabalho atingiu 9,2 milhões de pessoas a mais do que no 1º trimestre de 2020. A taxa que combina desocupados e desalentados (pessoas que desistiram de procurar trabalho) passou de 16,0%, no primeiro trimestre de 2020, para 19,5%, no mesmo período de 2021.
Um dos dados mais preocupante é que, os trabalhadores que ganhavam menos foram os que mais sofreram com a pandemia, perdendo emprego e renda. Entre os chefes de família, a taxa combinada de desocupação com desalento correspondeu a 11,2%, em 2020, e a 13,4%, em 2021, o que indica maior número de famílias em situação de vulnerabilidade.
“Para muitos brasileiros e brasileiras, a pandemia do coronavírus no Brasil, aliada à ausência de políticas públicas, agravou ainda mais a crise no mercado de trabalho. Milhares de famílias foram empurradas para a faixa da extrema pobreza. Para vencer o atual cenário, que amarga o desemprego e a fome, é preciso combater os equívocos da política econômica brasileira, que segue na contramão do mundo. Por isso, além da defesa da dignidade, do emprego e renda, precisamos defender os direitos dos trabalhadores e as empresas públicas, que são fundamentais para a sustentabilidade e o desenvolvimento do país, inclusive em períodos de crise”, destacou Sergio Takemoto, presidente da Fenae.
Impacto na saúde mental e emocional dos trabalhadores
Para Eduardo Tancredi, psiquiatra membro do comitê Técnico da Aliança para Saúde Populacional e Diretor Médico da eCare, a pandemia acelerou alguns processos de profundas mudanças e impactou a essência das relações humanas no mundo todo, o que causou um forte impacto na saúde mental e emocional dos trabalhadores, pois além da mudança nas relações de trabalho, o impacto econômico também interferiu na estrutura emocional das pessoas.
“As relações do cotidiano no ambiente de trabalho tiveram que se adaptar às novas condições de teletrabalho. E tudo isso foi um desafio. O período pandêmico trouxe uma maior preocupação das pessoas e das empresas também com a área da saúde, como as relacionadas ao bem-estar emocional e à saúde mental, que são de extrema importância e devem ser diagnosticadas e acompanhadas”, observou Eduardo.
Retorno ao trabalho acelerado pode ser desastroso
De acordo com Eduardo, não há outra alternativa senão o retorno ao trabalho presencial de maneira consciente e responsável, com todos os protocolos de segurança. Não é momento de relaxar. “Muitas empresas irão permanecer no sistema híbrido, até mesmo porque muitas já funcionavam desta forma, mas é preciso destacar que o retorno ao trabalho presencial das demais empresas devem ser feito de maneira consciente e responsável, com todos os protocolos de segurança. O retorno presencial acelerado em alguns casos, foi precipitado, tendo que retornar ao distanciamento social”, disse.
Para o psiquiatra o relaxamento pode surgir de uma sensação de segurança de que tudo vai passar rapidamente. “Os seres humanos estressam numa situação de risco por natureza própria, mas não conseguem permanecer estressados o tempo todo, então vem aquele pensamento de que isso vai passar, de querer acreditar que a verdade de cada um seja real, só considerando as notícias boas, dando uma sensação de segurança, onde as pessoas começam a relaxar medidas que elas precisam continuar tomando. E isso é de suma importância, as pessoas têm que ter consciência de que a segurança delas e de quem elas convivem é de responsabilidade exclusiva delas. Não podemos relaxar nas regras de segurança, mesmo com a volta do trabalho presencial”, concluiu Tancredi.