Da solidariedade entre trabalhadores de um mesmo banco à mobilização por uma Caixa Econômica Federal 100% pública e social, com respeito aos direitos dos empregados. Essa história de luta e resistência contra as intenções privatistas de governos autoritários completa 29 anos nesta quinta-feira, dia 1º de outubro.
O episódio, durante o governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, foi classificado de arbitrário e abusivo. A demissão de 110 empregados desencadeou uma rede de solidariedade na categoria, que viabilizou o apoio financeiro a esses trabalhadores, até que fossem reintegrados ao banco. Isso aconteceu após o impeachment do Collor em 1992. Esse movimento mobilizou 35 mil empregados em todo o país, que doaram o equivalente a um dia de tíquete-alimentação, bancando assim o pagamento do salário dos demitidos por mais de um ano.
Foram dispensados 50 trabalhadores em São Paulo (SP), 30 em Belo Horizonte (MG) e outros 30 em Londrina (PR). Em 1988, a Caixa abriu concurso com saldo de aprovação de até 30 mil trabalhadores. As admissões ocorreram entre 1989 e 1990.
Em mobilização da categoria bancária, para a campanha salarial de 1991, uma greve de 21 dias foi deflagrada. Não para atingir diretamente o então presidente Collor, mas para conquistar reajuste salarial. O banco entrou com pedido de dissídio e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou a paralisação ilegal, com a direção da Caixa determinando o imediato retorno ao trabalho. Em diversos lugares do país, os bancários retornaram, mas em outros houve resistência por mais dois dias, até a realização de nova assembleia.
Os locais com maior resistência foram São Paulo, Belo Horizonte e Londrina. Nessas três cidades, em retaliação à greve, foram demitidos 110 empregados. Diante do episódio, surgiu o desafio de manter a mobilização. A aposta era na luta coletiva. Ou isso ou a reintegração poderia não acontecer. O movimento apontou também em outra direção: o fortalecimento da Caixa pública e da organização autônoma dos trabalhadores.
Na época, a Fenae coordenou uma campanha para arrecadar recursos em favor dos 110 trabalhadores dispensados, denominada “Não toque em meu companheiro”, por sugestão de um bancário. Em seguida, quase que ao mesmo tempo, surgiu também o slogan “Reintegrar para não destruir a Caixa – um banco social”, que virou mote da campanha salarial da época. O êxito dessa campanha foi facilitado pela solidariedade de empregados do Brasil inteiro, que autorizaram um desconto de 0,3% em suas folhas de pagamento.
Grosso modo, os bancários da Caixa sustentaram a mobilização contra o projeto do Collor de destruir o Estado brasileiro, acabando com o serviço público. Foi mantida uma resistência prolongada aos ataques do governo, amparada pela força da organização coletiva.
O atual diretor de Formação da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), Jair Pedro Ferreira, foi um dos empregados atingidos pela medida arbitrária da direção da Caixa. “O apoio que os demitidos receberam de colegas apenas demonstra ser possível reverter qualquer situação, com solidariedade de classe e com união dos trabalhadores, junto a entidades como a Fenae, as Apcefs e os sindicatos”, pondera.
Com isso concorda o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto, para quem a solidariedade reforça o poder da união de trabalhadores. Ele comenta: “Neste momento de crise em que empregados estão sendo atacados, é fundamental resgatar histórias como a que uniu os bancários da Caixa na década de 1990, após a histórica greve de 1º de outubro de 1991. Esse movimento mostrou que, se houver unidade e propósitos comuns, dá para vencer todos os obstáculos e para seguir com a luta pela Caixa 100% pública”.
Documentário “Não toque em meu companheiro”
Exatamente a história de Jair Ferreira e dos 109 demitidos por Collor em São Paulo, Belo Horizonte e Londrina foi registrada em um documentário da premiada cineasta brasiliense Maria Augusta Ramos, a Guta, denominado “Não toque em meu companheiro”. O filme, sob a coordenação da Fenae, mostra como os empregados do banco se uniram para pagar o salário dos demitidos por mais de um ano, e ainda lutaram pela readmissão de todos. São cenas de esperança e solidariedade que reforçam o poder da união de trabalhadores.
O documentário reuniu empregados demitidos e a nova geração de trabalhadores da Caixa. Para Jair Ferreira, um dos personagens dessa saga de mobilização e resistência contra o retrocesso, “registrar e contar esses acontecimentos, rever as pessoas, ouvir sobro o que cada um viveu e reafirmar a rede de solidariedade entre trabalhadores de um mesmo banco, o único 100% público do país, são trechos importantes captados pelas lentes cinematográficas da Guta”.
“Não toque em meu companheiro” traça ainda um paralelo entre o período do Collor, com medidas severas de redução do Estado, e o atual governo de Bolsonaro, que inaugura um novo ciclo de privatizações no país. Mostra as semelhanças entre um e outro, além de suas tentativas de privatizar o banco público e retirar direitos dos trabalhadores. O documentário propõe também uma reflexão sobre as relações atuais do mundo do trabalho, na Caixa e no Brasil, com ênfase para um cenário de crescente retirada de direitos.
O filme de Maria Augusta Ramos, com coprodução da Fenae, foi lançado em junho de 2019 e, desde então, vem sendo amplamente divulgado por vários veículos da imprensa. Essa história de empatia e de solidariedade que marcou a greve dos bancários em 1991, especialmente a da Caixa, estreou ainda em diversas plataformas de streaming. A produção é da NoFoco Filmes e a licença se dá pelo Canal Brasil.
Foram em cenários de BH, Londrina e São Paulo que as gravações de 74 minutos do documentário ocorreram, marcadas por reencontros emocionantes e irreverentes. Todo o filme, segundo a diretora Guta, gira em torno do incrível enredo de solidariedade e luta dos empregados da Caixa. E opina: “Não toque em meu companheiro está carregada de beleza, simbolizada na emoção dos reencontros e na urgência de se falar sobre a mobilização em um momento conjuntural onde os direitos dos trabalhadores voltam a ser atacados”.
Seja como for, Sérgio Takemoto lembra que o documentário é um capítulo importante da luta pelos direitos dos trabalhadores e resgata a história de mobilização para reintegrar os demitidos em 1991. Segundo ele, “Não toque em meu companheiro” constitui ainda um momento vital para os novos empregados compreenderem que o movimento nacional dos empregados da Caixa é feito de mobilizações e conquistas.
Além de Jair Ferreira, o filme da Guta traz outros diretores da Fenae na condição de protagonistas: Sérgio Takemoto (presidente), Cardoso (Administração e Finanças) e Carlos Alberto Oliveira Lima – Caco (Esportes).