Neste mês de novembro, a representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa (CA/Caixa), Rita Serrano, comemorou 32 anos de trabalho no banco. Como ela mesma descreveu em seu site, foram “tempos de alegrias, lutas e desafios”.
Em todo esse tempo, Rita atuou em uma linha muito clara: a defesa da Caixa 100% pública e dos direitos dos empregados do banco. Essa luta fez com que ela fosse reeleita, em 2019, para representar os empregados no Conselho de Administração do banco já no primeiro turno. Rita recebeu 82% dos votos válidos em uma disputa com 203 candidatos. Seu mandato foi avaliado positivamente por 94% dos trabalhadores do banco.
A Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) conversou com a conselheira eleita para conhecer um pouco mais do dia a dia dela e dos desafios de ser a representante dos empregados.
Rita, seu atual mandato termina ano que vem. É possível fazer uma avaliação?
Vem sendo um grande desafio. Ser minoria não é fácil. O Conselho de Administração (CA) é composto por oito membros e, desses, sete, incluindo o presidente do banco, são indicados pelo Governo. Sou a única empregada – até setembro, era a única mulher – e a voz destoante da maioria dos conselheiros em assuntos que envolvem a privatização das operações, a retirada de direitos dos empregados e ameaças à sustentabilidade, perenidade e uso da imagem da instituição.
No debate interno do Conselho, me posicionei contra a colocação de teto no Saúde Caixa no estatuto, a privatização das operações (Cartões, Loterias, DTVM, Seguros) e todo tipo de fatiamento do banco, como os IPOs [abertura de capital]. Votei contra a devolução dos IHCDs (Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida) – instrumentos que foram usados para que o banco ampliasse sua atuação nas políticas públicas; e a criação do banco digital (outra instituição financeira).
Fui a favor de todas as pautas que envolvem a expansão do papel da Caixa, ampliação das operações, abertura de agências, ocupação de cargos de dirigentes por empregados de carreira, respeito à diversidade, aprimoramento das medidas de sustentabilidade, integridade e maior transparência.
Com tudo isso – esta defesa incondicional da Caixa pública e dos direitos dos empregados- como tem sido lidar com a pressão?
A pressão é grande e se dá de várias formas. No último período, foi aberto procedimento interno no CA contra mim, sobre supostos conflitos de interesses. Em um deles, questionaram meu posicionamento a favor da greve dos empregados ocorrida em abril.
Situação parecida acontece também com conselheiros eleitos de outras estatais -exemplo dos ataques que vivemos no país hoje contra as representações dos trabalhadores e a democracia.
Mas o que dá coragem para seguir em frente é saber que estou no caminho certo, e conto com o apoio dos empregados e das entidades sindicais e associativas.
Você realizou recente consulta aos empregados sobre como se sentem ao trabalhar na Caixa? Qual foi o resultado?
Entendo que meu papel principal como representante dos trabalhadores no CA é levar a voz dos empregados para a alta administração. A consulta teve esse objetivo: ouvir as demandas e torná-las públicas. As mensagens que recebi, e foram centenas, mostram que os empregados valorizam a função social da Caixa, têm preocupação com o futuro do banco, mas estão sob forte grau de pressão. As palavras mais usadas por eles foram – estressado, sobrecarregado, desvalorizado, desmotivado, com medo, oprimido, perdido, apreensivo. A maioria vincula essa situação à cobrança exacerbada por metas, ameaças de perdas de função, trabalho longe do local de moradia e longas jornadas.
Essa situação é extremamente preocupante e leva ao adoecimento, a falta de perspectivas na carreira e a consequente ausência de satisfação no trabalho. Na minha opinião, é fruto de uma estratégia que incentiva a competição e o medo entre os trabalhadores, em um conceito absurdo de meritocracia que aposta no individualismo, no vale tudo, desumaniza as relações, e destrói o prazer em contribuir pelo bem comum.
Do ponto de vista de gestão, é uma política do passado, quando se usava o chicote. Isso tudo pode e deve ser diferente. Avalio que é minha tarefa e das entidades atuar junto com os empregados para mudar essa dura realidade.
A venda de ativos do banco poderá comprometer seu futuro próximo?
A Caixa vem sendo alvo dos desejos do tal “mercado” há tempos. Na década de 1990, o projeto do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, era privatizar o banco. Mas ele não conseguiu porque a pressão das ruas foi maior.
A mesma tentativa aconteceu em 2017, no governo Temer, quando a maioria dos membros do CA defendeu na mudança estatutária que a Caixa se tornasse S/A. Eu votei contra. Novamente, a proposta não vingou, graças a mobilização de entidades e parlamentares.
A sanha privatista voltou com força no governo atual. Para conseguir enfrentar a opinião pública, as entidades, movimentos e trabalhadores, que são contra a privatização, optaram por vender as empresas por partes, caso da Petrobrás, BB e Caixa, se desfazendo dos principais ativos e subsidiárias dessas estatais, operações atrativas para o capital privado. Dessa forma, vai desmantelando completamente o rico patrimônio público, construído por mais de um século.
É uma privatização disfarçada, correto? No caso da Caixa, os últimos balanços do banco já mostram esse movimento?
Sim. Em 2019, do lucro de R$ 21,1 bi, R$ 15,5 bi foram resultados de venda de ativos, como ações do banco Pan, Petrobrás, BB, IRB e novos acordos comerciais com empresas privadas na área de seguros.
Em 2020, dos R$ 13,1 bi, R$ 5,9 foi resultado de equivalência patrimonial da Caixa Seguridade, consequência das novas parcerias com empresas privadas.
No balanço do 3º trimestre de 2021, a mesma política se repete: os resultados não recorrentes acumulados até o 3º trimestre, apresentados abaixo, somam R$ 6,605 bilhões, o que representa cerca de 47% do Lucro Líquido do mesmo período, que totalizou R$ 14,045 bilhões.
Essa estratégia nos leva a ponderar sobre a sustentabilidade da Caixa no médio prazo. As grandes empresas compram e vendem ativos. No caso da Caixa, só se vende. Isso irá comprometer os resultados do banco em pouco tempo, além do que, ao partilhar das suas operações principais com acionistas privados, que visam unicamente o lucro alto e rápido, a instituição vai perdendo autonomia na execução de políticas públicas relevantes para ajudar o país superar a crise econômica.
Quais são os desafios para o próximo período?
A grave pandemia que vivemos colocou em prova mais uma vez a importância e a necessidade de o Estado ter um banco público como a Caixa. Com expertise, capilaridade e corpo técnico preparado para enfrentar crises, superar dificuldades e fazer investimentos para a melhoria da qualidade de vida da população.
Mais do que nunca, precisamos da Caixa Pública, sustentável, íntegra e focada no desenvolvimento do país.
Continuarei firme defendendo a Caixa Pública, e atuando sem trégua contra seu desmantelamento.
Você poderá ser candidata novamente?
Sim, a regra legal permite três reconduções, mas essa decisão não é minha, depende da avaliação e apoio da categoria e das entidades.