A inconstitucionalidade da Medida Provisória 995/2020 e a utilização deste instrumento como subterfúgio do governo para depreciar a autorização do Congresso chama a atenção de órgãos controladores do País. O representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, entrou com uma representação para que o TCU apure os indícios de irregularidades no processo de privatização da Caixa Econômica Federal e suas subsidiárias. O documento também pede, em caráter cautelar, que a Caixa suspenda todos os seus atos relacionados ao processo de privatização até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão.
“Esse controle se faz necessário ante os fortes indícios de que a Caixa Econômica Federal vem se valendo de uma verdadeira manobra, para alienar seus ativos (e subsidiárias) sem submeter à autorização legislativa e ao procedimento licitatório na vigência de uma medida provisória. Essa manobra representa claro e evidente desvirtuamento do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal acerca da matéria”, diz o texto.
A decisão do Supremo apontada pelo subprocurador-geral diz respeito ao julgamento da Corte sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.624, ajuizada pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/CUT) em 2016. Na peça, as entidades questionam a venda de estatais sem a permissão do Poder Legislativo. Em junho de 2019, o STF decidiu que o Governo Federal não pode vender empresas estatais sem o aval do Congresso Nacional e sem licitação. Por outro lado, entendeu que as subsidiárias não necessitam da permissão do legislativo e nem de licitação para serem vendidas.
Com esta brecha no entendimento da Corte, o Governo passou a usar este artifício para criar subsidiárias de atividades essenciais das empresas estatais para vendê-las rápida e facilmente, atendendo aos interesses do mercado privado. Foi assim com as refinarias da Petrobras e, agora, com a edição da MP 995, que cria e vende subsidiárias da Caixa.
A adoção de Medida Provisória com essa finalidade também é questionada pelo subprocurador-geral Lucas Furtado. Em sua avaliação, o assunto não deveria ser tratado por meio de MP, já que não existem os requisitos de relevância e urgência. E alerta para os riscos de irreversibilidade dos efeitos da Medida Provisória.
No documento, Furtado pede ao TCU a adoção de medida cautelar para suspender os atos relacionados à privatização do banco público pelo receio de “ocorrer grave lesão ao interesse público e no risco de ineficácia de tardia decisão do mérito”.
“Desse modo, a medida provisória é um instrumento à disposição do Governo para que este tome medidas de forma mais ágil. Porém, há de haver restrição no uso desse instrumento, pois, do contrário, abriria margem para medidas arbitrárias pelo Poder Executivo Federal”.
É o que o Governo tem feito, na opinião do presidente da Fenae, Sergio Takemoto. “O Governo privatista de Bolsonaro e Guedes, com apoio irrestrito do presidente da Caixa, Pedro Guimarães, utiliza o efeito de lei e imediato de uma medida provisória para dilapidar a Caixa à revelia dos Poderes Legislativo e Judiciário”, alerta. “Nós, Fenae, Contraf/CUT, sindicatos e demais entidades representativas temos realizado um grande esforço e mobilização para alertar toda a sociedade, parlamentares e órgãos fiscalizadores sobre o desejo desenfreado deste governo em vender o patrimônio público”, explica o presidente da Fenae, Sergio Takemoto.
Abuso institucional – A Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada no STF pela Contraf-CUT, na segunda-feira (31) (clique aqui e leia aqui) , também alerta para a adoção de uma MP com intuito de dar caráter imediato e efeitos irreversíveis aos atos de privatização da Caixa. De acordo com o texto, a medida provisória autoriza uma exceção ao princípio da separação dos poderes. Por sua força de lei, de efeito imediato, a MP elimina, momentaneamente, a competência do poder legislativo para revisar o documento. Portanto ela só deve ser editada em situações excepcionais.
“Se tal instrumento passa a ser utilizado como um mecanismo do Executivo para adotar medidas irreversíveis, o que ele efetivamente faz é retirar em absoluto do Parlamento a possibilidade de revisar o ato, esvaziando por completo a esfera de atuação do Legislativo”.
No texto, a Contraf-CUT afirma que é exatamente o que se verifica na MP 995. Se durante a vigência da Medida todos os ativos da Caixa forem vendidos, o Congresso ficará impossibilitado de avaliar a regularidade do ato, “eis que implementada uma medida irreversível”.
“Nessa senda, estar-se-ia diante de um verdadeiro abuso institucional, decorrente do uso ilegítimo de medida provisória como forma de o Executivo se furtar à necessária e imprescindível interação com o Legislativo que a Constituição impõe”, explica o documento.