A Câmara aprovou o Projeto de Lei Complementar que dá autonomia ao Banco Central (BC). No entanto, se a palavra-chave é autonomia, o que pressupõe independência, a pergunta central é: independência de quem, ou de quê? O Banco Central tem uma função clara, que é cuidar da estabilidade e solidez do sistema financeiro. Sua gestão interessa, portanto, a todos os brasileiros, que mais uma vez passaram longe dessa importante discussão.

Entre as atribuições da instituição uma das mais destacadas é definir a taxa básica de juros do País, por meio do Comitê de Política Monetária (Copom), composto por oito diretores e o presidente do banco. Sua meta prioritária é o controle da inflação, e sempre houve, tanto no Brasil como em outros países, uma preocupação em relação à interferência política, especificamente no tocante à política monetária ficar à mercê dos governantes de plantão.

Pelo projeto aprovado, a estabilidade do sistema financeiro, a atividade econômica e o pleno emprego são secundários, quando na verdade deveriam estar no mesmo patamar do controle inflacionário. Analistas do Dieese apontam que essa separação poderá enfraquecer a capacidade dos governos de implementar uma política econômica.

Na prática, segundo o instituto de pesquisas econômicas, se em 2022 o País eleger um novo presidente, com um projeto de retomada da atividade econômica, geração de empregos, desenvolvimento econômico etc, terá sérios problemas para seguir adiante com esses propósitos, justamente pelo próprio descasamento dos mandatos da diretoria do BC e do presidente da República.

Com a garantia da estabilidade, o presidente e diretores do BC somente poderão ser desligados quando “apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil”, e mesmo nesse caso apenas se o Senado concordar por maioria absoluta.

É preciso considerar, também, conforme afirma Josué A. Pellegrini, consultor legislativo do Senado Federal, que “graus acentuados de autonomia podem gerar certo viés antidemocrático, seja no sentido do excesso de conservadorismo do BC em relação às preferências da sociedade, seja no sentido da existência de objetivos não explícitos derivados dos interesses da própria instituição ou de grupos influentes”.

“É preciso questionar: de que autonomia se fala? Autonomia de políticos? Mas e o atrelamento ao mercado financeiro? Como bem lembrou o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa em artigo recente, ´o Brasil é um caso clássico de porta giratória no BC, basta ver de onde vieram e para onde foram vários membros do Copom nos últimos 30 anos´”, destaca a coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, Rita Serrano.

Na avaliação do ministro a solução não é proibir que pessoas do mercado assumam cargos ali, “pois isso privaria o Brasil de ótimos profissionais”, mas sim diminuir o incentivo para que uma nomeação para o BC sirva de trampolim a recompensas posteriores por agentes regulados pelo banco. Para ele, ampliar a quarentena após a saída seria eficaz, com ex-membros proibidos de trabalhar para o mercado financeiro por período equivalente ao que trabalharam no BC.

A quarentena prevista no projeto aprovado, que impedirá o ex-dirigente de participar do controle societário ou exercer qualquer atividade profissional direta ou indiretamente, com ou sem vínculo empregatício, junto a instituições do Sistema Financeiro Nacional, após o exercício do mandato, exoneração a pedido ou demissão justificada, é de apenas 6 meses.

Mandatos de quatro anos também não são uma má ideia. No entanto, da forma como foi aprovado – com o novo presidente só podendo trocar o presidente do BC no seu terceiro ano de governo – não é o mais adequado, e pode gerar conflitos, como o já levantado pelo Dieese. A limitação a uma recondução, por outro lado, é positiva, ao impedir a perpetuação no cargo, e segue a mesma lógica adotada em agências reguladoras.

Há, ainda, uma outra questão que merece debate, aponta a coordenadora do comitê. Enquanto se aprova essa suposta autonomia do BC, distante da sociedade brasileira, milhões de pessoas desamparadas pela perda de emprego e renda na pandemia do coronavírus assistem com desespero se haverá ou não a continuidade do auxílio-emergencial. Um auxílio que o presidente Bolsonaro nunca quis dar e, quando quis, limitou a R$ 200, só ampliando o valor após ofensiva da Oposição. E que agora simplesmente acabou, podendo voltar bem abaixo dos iniciais R$ 600.

Sinalizando o que pretende fazer com a sua conquistada “autonomia” o atual presidente do Banco Central já se posicionou no sentido de que o espaço fiscal para esse novo auxílio é “pouco ou nenhum”. Assim, se dependesse dele, não haveria novo auxílio.

“O BC poderia, sim, ter abertura para que entidades representantes dos trabalhadores pudessem participar de sua gestão”, afirma Rita. Afinal de contas, acrescenta, é o trabalhador que faz girar a economia, é ele o motor central dessa engrenagem e, quase sempre, o mais penalizado. “Autonomia e independência são conceitos fundamentais e de grande impacto, mas numa democracia que se quer participativa é preciso deixar transparente a quem (ou de quem) exatamente se destinam”, finaliza.

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