O livro “O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado”, do jornalista Aloysio Biondi (ex-colaborador de publicações da Fenae), deixa lições para entender o atual processo de privatizações do governo Bolsonaro. A obra, lançada pela primeira vez em 1999 pela Editora Fundação Perseu Abramo, depois publicada novamente em 2014 pela Geração Editorial, é um documento histórico importante ao retratar as privatizações realizadas no período de 1995 a 1999, durante o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando as políticas neoliberais conduziam o Estado brasileiro. O resultado foram empresas estatais sucateadas e depois vendidas a preço de banana.
Desde que foi lançada, apoiada em pesquisa e análise minuciosas, com números e percentuais oficiais sobre o processo de leilão do patrimônio público, a publicação de Biondi sobre o lado escuro das privatizações de FHC se tornou um clássico e já vendeu mais de 170 mil exemplares. Fica até difícil não fazer um paralelo com as privatizações do governo Bolsonaro, que retomam os problemas, distorções, abusos e favorecimentos denunciados em “O Brasil privatizado” no governo do PSDB. Na época, com recursos do povo brasileiro, foram vendidas empresas como a Vale do Rio Doce, Embratel, Usiminas, Açominas, Cosipa e Embraer. As que não foram entregues ao capital privado acabaram sucateadas.
No livro, Biondi revelou as muitas caixas-pretas das privatizações. Abriu uma a uma e escancarou o tamanho do esbulho que o Brasil sofreu, naquilo que foi definido pelo autor como um crime de lesa-pátria, tal como ocorre na atual conjuntura política e econômica do país.
Os maiores alvos foram as telefônicas, rodovias, siderúrgicas, companhias de energia, ferrovias e fundos de pensão. Segundo o jornalista, no governo do PSDB, entre 1995 e 2002, os bancos públicos também passaram por um processo de desmonte sem precedentes. A regra era enfraquecer para privatizar. No radar estava a venda do Banespa (SP), Banerj (RJ), Banestado (PR), Bemge (MG), Baneb (BA), Bandepe (PE) e Paraiban (PB), entre outros, com a demissão da maioria dos trabalhadores dessas instituições.
No caso da Caixa Econômica Federal, o número de agências e postos de atendimento chegou a ser de apenas 2.082, em 2002. Quando FHC e o PSDB assumiram a Presidência da República, em 1995, eram 76 mil empregados, total que caiu para 53 mil sete anos depois. Igual fenômeno se repetiu no Banco do Brasil: o número de trabalhadores despencou de 119 mil para 77 mil. Acusados de ineficientes na época, a proposta do governo para os bancos públicos federais era fusões e privatizações.
Em “O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado”, essencial para o conhecimento do país e das escolhas feitas em nome da sociedade, Aloysio Biondi descreve uma sucessão de negócios escusos. Mostra ainda como ocorreu a privatização tucana: o governo financiava a compra no leilão, vendia “moedas podres” a longo prazo e ainda financiava investimentos que os compradores privados precisavam fazer. Para aumentar os lucros dos pretensos compradores, o governo engolia dívidas bilionárias, demitia trabalhadores, investia massivamente e até aumentava tarifas e preços antes da privatização.
Para Sergio Takemoto, presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), o livro do jornalista Biondi é um legado fundamental para o conhecimento do atual momento brasileiro, com denúncia de que as estatais foram entregues com os cofres recheados de recursos. “Na época, década de 90, o país foi alertado de que o patrimônio nacional, construído ao longo de anos com recursos do povo brasileiro, estava sendo dilapidado”, denuncia. Ele observa que o balanço de 21 anos do lançamento da obra “O Brasil privatizado” traz à tona as privatizações vivenciadas nesse período.
O presidente da Fenae destaca a retomada das privatizações pelo governo Bolsonaro, que possui discurso privatista, anti-Estado e anti-participação das estatais em setores fundamentais para o desenvolvimento do Brasil. “Esse novo processo, a julgar pelo que já vem sendo feito, tende a ocorrer de uma forma muita predatória para os interesses nacionais”, reitera.
Em seu livro, Aloysio Biondi denuncia ainda que, durante o governo FHC, o dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foi utilizado para financiar projetos diversos de privatização. Ele lembra que, na época, o trabalhador foi duplamente lesionado. Foi vítima do calote no FGTS e PIS/Pasep e ficou sem as estatais vendidas. “Essa situação é uma prova cabal de que a privatização de empresas públicas desconstrói a política de Estado”, diz Takemoto.
O movimento nacional dos empregados da Caixa considera importante repudiar a proposta de redução do papel dos bancos públicos, defendida, naquela época, por Pedro Malan, ministro da Fazenda de FHC. Contra essa ação governamental, hoje sob a condução de Paulo Guedes (ministro da Economia), a Fenae deixa claro que o Brasil precisa de uma Caixa pública, social e forte e com empregados valorizados.
“Não ao retrocesso. Não podemos permitir que o governo Bolsonaro privatize Caixa, Banco do Brasil, BNDES, BNB e Banco da Amazônia. Defendemos um projeto de país que compreende a importância de bancos públicos fortes e protagonistas na execução de políticas públicas e sociais”, pontua o presidente da Fenae. Takemoto explica que o Brasil moderno foi construído pelas estatais e não pelo mercado. “As estatais representam o Estado nacional, uma visão de país, um projeto de desenvolvimento”, finaliza.
Uma constatação: a melhor forma de contar essa história nociva aos interesses nacionais e travar a luta da memória contra o esquecimento é revisitar o livro de Aloysio Biondi. “O Brasil privatizado: um balanço de desmonte do Estado” já está em sua 11ª edição. A obra encontra-se disponível, gratuitamente, no site da Editora Fundação Perseu Abramo.