A proposta do Ministério da Fazenda (MF) que visa a modificar as regras vigentes para a marcação de ativos e passivos previdenciários a mercado levanta diversas questões e preocupações que merecem uma análise aprofundada. Aqui estão as considerações da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão e de Beneficiários de Saúde de Autogestão (Anapar), Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp)  e Associação dos Fundos de Pensão e Patrocinadores do Setor Privado (Apep).

“A proposta do Ministério da Fazenda carece de maior aprofundamento e adequação ao nosso mercado, particularmente no que diz respeito aos investimentos de longo prazo, característica dos planos com benefício definido. Temos de aperfeiçoar o método existente, todavia a linha apresentada pelo MF não seria a ideal”, explicou o secretário de Direitos Previdenciários da Apcef/SP, Valter San Martin Ribeiro.

A Solidez das Normas Vigentes – As regras atuais não surgiram por acaso ou erro conceitual. Elas são o resultado de anos de discussão e refinamento envolvendo profissionais da sociedade civil e do governo, abrangendo diversas disciplinas como atuária, economia, contabilidade e direito. Essas normas foram estabelecidas após uma série de tentativas malsucedidas e arbitrárias de alteração das regras de solvência e precificação de ativos e passivos. Portanto, qualquer mudança significativa deve passar por um processo semelhante de rigor e abrangência.

Falhas na Evidência Empírica – A proposta do MF fundamenta-se em uma comparação com os fundos públicos americanos, que, segundo o estudo, se tornaram mais propensos a riscos e apresentaram desempenho inferior a seus pares privados. Contudo, a realidade brasileira é distinta. A regulamentação brasileira limita o incentivo à tomada de risco excessivo ao estabelecer um teto para a taxa atuarial, que é a média da Estrutura a Termo de Taxas de Juros (ETTJ) de cinco anos mais 0,4%. Essa limitação não é considerada nos estudos baseados em regras internacionais, gerando conclusões que não se aplicam ao contexto brasileiro.

Incentivos e o “Túnel” – As normas vigentes para a formação da taxa de desconto do passivo incorporam vários conceitos, incluindo a rentabilidade projetada da carteira dentro de um intervalo legal. A proposta do MF parece não compreender os incentivos gerados pelas regras atuais, que devem ser avaliadas em conjunto com a precificação de ativos e passivos, regras de solvência e ajuste de precificação de títulos públicos federais. Contrariamente ao que sugere o estudo do MF, as regras vigentes não “escamoteiam” a solvência, mas sim criam incentivos corretos e anticíclicos. A compra de títulos em momentos de crise é incentivada, permitindo aos fundos de pensão atuarem como agentes estabilizadores do mercado.

Uso Inadequado da Marcação a Mercado (MtM) – O dogma da marcação a mercado, embora legítimo em certos contextos, pode ser inadequado para ativos e passivos previdenciários de longo prazo. A marcação a mercado é adequada para evitar transferências de riqueza entre cotistas em fundos abertos com liquidez, mas sua aplicação a planos de benefício definido (BD) pode agravar crises e distorcer preços de mercado. A volatilidade introduzida pela MtM pode comprometer a viabilidade e estabilidade dos planos de previdência.

Riscos de Volatilidade e Pró-Ciclicidade – O uso de taxas de mercado pode gerar volatilidade excessiva nos níveis de solvência e contribuição dos planos previdenciários. Segundo Juan Yermo, da OCDE, a alta volatilidade dos preços de mercado, especialmente para papéis de longo prazo, não se justifica economicamente e pode interferir nas avaliações dos planos. Além disso, a marcação a mercado pode produzir efeitos pró-cíclicos, incentivando movimentos de curto prazo nas carteiras de investimentos e agravando crises econômicas. Vários países que introduziram a marcação a mercado em ativos e passivos previdenciários tiveram uma modificação de perfil da carteira de investimentos, que se tornou mais curtoprazista, interferindo, inclusive, na dinâmica e nas taxas do próprio mercado, gerando um efeito prócíclico, agravando a crise que pretendia reduzir. A volatilidade do passivo trará outras consequências, por exemplo: a) volatilidade nos planos de custeio; b) volatilidade na concessão dos benefícios (planos CV).

A Suavização como Alternativa – Muitos países utilizam técnicas de suavização (smoothing) para mitigar os efeitos da volatilidade dos mercados nos níveis de contribuição. Nos Estados Unidos e Japão, por exemplo, as taxas de desconto suavizadas são usadas para abrandar os efeitos da volatilidade. A atual regulação brasileira já incorpora elementos que incentivam a alocação em ativos correlacionados ao passivo, como os NTN-Bs, e mantém menor volatilidade no índice de solvência.

Conclusão – A proposta do MF, ao introduzir a marcação a mercado para ativos e passivos previdenciários, pode trazer volatilidade indesejada e comprometer a estabilidade dos planos. É possível alcançar os objetivos da proposta com ajustes pontuais na norma vigente, sem impor volatilidade adicional aos passivos e ativos e sem obrigar os planos a adotar uma gestão de risco zero. A decisão sobre a gestão de risco deve permanecer com os participantes, assistidos e patrocinadores dos planos, representados pela gestão da Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC), sob pena de gerar insegurança e descrédito dos trabalhadores participantes das entidades fechadas de previdência complementar.

Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão e de Beneficiários de Autogestão em Saúde (Anapar)
Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp)
Associação dos Fundos de Pensão e Patrocinadores do Setor Privado (Apep)

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