Proporcionar um amplo debate sobre as questões atuais relacionadas à saúde dos empregados da Caixa Econômica Federal e de outros bancários, com elevados registros de adoecimentos incitados por transtornos mentais, reforça a importância do Setembro Amarelo, mês mundial de prevenção ao suicídio. O momento, aliás, é propício para alertar a sociedade brasileira sobre as consequências nocivas do suicídio.

O aumento no número de casos de adoecimento mental aponta não só para fatores individuais, mas para um fenômeno social ligado ao trabalho. Ações coletivas em torno do tema trazem reflexões sobre a organização do trabalho e os atuais modelos de gestão, situação agravada pela política econômica do atual governo.

Para refletir sobre o mês de Setembro Amarelo, o portal da Fenae divulga entrevista com a psicóloga e pesquisadora Fernanda Souza Duarte, doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília (UnB), com estágio no grupo de Sociologia Política na Universidade de Amsterdam, Holanda. O texto, com conteúdo amplo e diversificado, será publicado em duas partes: a primeira nesta quarta-feira (14) e a segunda e última, na próxima semana.

De uns tempos para cá, Fernanda Souza Duarte assessora a Fenae na interpretação de dados de pesquisas e no processo de pensar políticas e ações nos termos dos sistemas de saúde mental relacionado ao trabalho. Confira a primeira parte da entrevista, sem esquecer que na próxima semana tem mais, com conteúdo relacionado ao banco público e social, especificamente:

Quais são os principais distúrbios relacionados ao suicídio?
Em relação aos transtornos mais vinculados ao suicídio, as situações mais comuns são as de humor, de ansiedade, transtorno psicótico e abuso de substâncias também. No entanto, embora a maioria dos casos de suicídio ocorra entre as pessoas que apresentam algum tipo de transtorno (estima-se algo em torno de 90%), existe também uma parcela de pessoas que comete suicídio sem o registro de nenhum transtorno mental e comportamental. Isso também é algo importante de ser dito: nem só pessoas com um transtorno diagnosticado chegam ao suicídio.

Qual a importância do Setembro Amarelo para ações de prevenção?
Além do Setembro Amarelo, há outros meses com campanhas igualmente relevantes. É muito bem-vinda qualquer iniciativa que traga a possibilidade de diálogo, de falar sobre o tema de uma forma aberta, não moralizante, e que também promova a conscientização da população. Isso funciona como aliado da luta contra alguns preconceitos e diminui a discriminação, combinadas com outras coisas que fazem com que as pessoas evitem buscar ajuda. São ações importantes e podem incentivar o diálogo sobre o tema.

O que deve ser feito para enfrentar o suicídio como uma questão de saúde pública?
É preciso, primeiro, compreender o suicídio como uma questão de saúde pública. Em seguida, compreender tanto o suicídio quanto os transtornos mentais como fenômenos multicausais. Há diversas causas envolvidas e diversos elementos que têm uma influência e que podem determinar a ocorrência desses fenômenos. O suicídio deve ser pensado não só como algo proveniente de um desbalanço neurológico e biológico, mas também como fenômeno que é influenciado por fatores sociais.

Nessa lista deve-se incluir ainda fatores familiares e socioprofissionais, assim como a condição econômica da pessoa, a saúde física. Enfim, são muitos componentes que exercem influência. Com isso o suicídio deve ser pensado como algo multideterminado, havendo necessidade de reconhecer os fatores sociais, políticos e as condições materiais e econômicas, geralmente negligenciados.

Que tipo de abordagens são adequadas considerando o contexto da categoria bancária?
Como qualquer grupo social, a categoria bancária divide uma mesma organização do trabalho, com tarefas incluídas na realização da atividade bancária. Como são relações socioprofissionais, com questão das metas e gestão do trabalho como um determinante social, a atividade bancária pode interferir no desencadeamento ou agravamento de transtornos mentais e até no suicídio também.

Daí ser importante pensarmos formas de alterar essa organização do trabalho bancário, marcado ao mesmo tempo por rigidez e flexibilidade, no sentido que o bancário tem que estar disponível e sempre dando mais e mais, mas quando chega na meta, a meta aumenta. É rígido ainda porque não existe a possibilidade, muitas vezes, de uma negociação democrática no espaço de trabalho. Então, é preciso pensar em ações e intervenções na organização do trabalho, ou seja, como são os modos de negociação, o diálogo no ambiente laboral: tem discussão ou não tem discussão. São fatores importantes para pensarmos em intervenções dentro da categoria bancária.

De que forma os bancários podem agir para cuidar da saúde mental, na busca para valorizar a vida?
Valorizando as ações coletivas, fazendo reuniões, dialogando, abrindo-se para os outros. Sabemos que essa situação é complicada num contexto de competição e individualismo, fatores incitados como parte até do próprio trabalho. É um desafio encontrar um ponto onde o diálogo e a cooperação possam ocorrer, com ambos atuando como vitais para superar a questão do individualismo no trabalho bancário. Ações individuais, aliadas a cuidado com a vida privada, conforme promovidas até pela mídia em geral, com foco exclusivamente no indivíduo, vão na contramão da construção do coletivo, do diálogo, do debate.

Igualmente importante é refletir sobre a servidão a esse trabalho. Isso, de certa forma, tem-se vinculado à atividade profissional e o que tem se aceitado nesse trabalho. Sacrifícios estão sendo feitos com prejuízos à própria vida do trabalhador, no que se refere ao tempo disponibilizado à família e ao cuidado de si, tudo em nome da produção de lucro para o banco, por exemplo. É bastante importante que os bancários possam parar e refletir sobre essa situação. Essa, então, é uma ação de cuidado individual, mas, de certa forma, tem que passar, claro, pelo debate do coletivo.

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